quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Medicina Oral: Qual o melhor nome para a área?


Um tema recorrente nos eventos que tenho participado é a questão do nome da área. A Medicina Oral sofre uma série de preconceitos que variam da menção ao uso indevido do termo “medicina”, que não seria da pertinência do CD, à inadequada denominação “oral”, que deveria ser substituída por bucal, e, por fim, a alegação de que a denominação “Odontologia Hospitalar” seria a mais correta por se assemelhar ao uso que outras profissões, como Fonoaudiologia, Fisioterapia, Psicologia, Nutrição e Farmácia, dão às suas especialidades atuantes em hospitais.
Estamos em um momento crucial onde estes detalhes devem realmente ser discutidos a fundo, sem preconceitos, sem medo de ferir suscetibilidades e com o auxílio da lógica, da cultura e da etimologia, afinal, o nome da área de atuação da Odontologia na alta complexidade está em jogo. E isso terá repercussões muito relevantes para a própria profissão.
Não vejo melhor canal para esta discussão do que a internet, pois permitirá a exposição das idéias, dos valores e dos motivos que sustentam as opiniões de cada um.
Assim, começo apresentando a minha opinião e abro o espaço dos comentários abaixo para que cada um exponha as suas.
Odontologia como profissão
Na última reunião da Comissão de MOOH do CRO-RJ esteve presente o Prof. José Roberto Pontes (da UERJ e atual chefe da Odontologia do INCA). Como sempre ocorre nas reuniões, foi aberto espaço para que os visitantes se manifestem sobre seus pontos de vista. Na sua primeira frase ele frisou a inadequação do nome da própria profissão, onde Odontologia, sendo a ciência que estuda os dentes, estaria em desacordo com o escopo de atuação profissional dos CDs, que também estudam e atuam em mucosa, motricidade, produção de saliva, ossos, articulações, além de estudos básicos que remetem a imunologia, patologia, citologia e diversas outras formações.
Todos reconheceram a coerência de sua opinião, mas todos, inclusive ele, também sabem a força da cultura que fundamenta esta área, e ninguém parece estar disposto a requerer a mudança de nome da profissão. Eu mesmo acho completamente desnecessária a modificação, pois Odontologia é um termo consagrado mundialmente como estando relacionado à atuação profissional específica na cavidade oral, o que já é identificado desde a antiguidade.
A Estomatologia
O termo remete ao grego stóma ou stómatos, que significa boca mais logos, ou estudo, conhecimento. Teoricamente este vocábulo é mais preciso para o nome da profissão pois abrangeria todas as estruturas que fazem parte do sistema estomatognático (SEG). O termo é usado em diversos países como sinônimo de Odontologia, mas tem contra si a falta da cultura, pelo menos no Brasil, sobre a sua pertinência em relação ao que fazem os atuais CDs estomatologistas.
Eu penso que este termo seria o mais adequado para ser utilizado quando se pretende diferenciar a atuação tradicional do CD, focando os dentes, para o campo médico da Odontologia que abrange os demais componentes do SEG, incluindo a dor orofacial, a disfunção da ATM, a odontogeriatria, a periodontia (especialmente a que se denomina “médica”) o tratamento dos pacientes especiais e a própria Odontologia Hospitalar “Clínica” e que chamarei abaixo de subespecialidades da Estomatologia (peço que não tomem o termo subespecialidades como depreciativo, afinal não sou estomatologista e sou especialista em dor orofacial, uma das citadas).
Não acho correto que se perpetue a inadequação culturalmente aceita como Odontologia (e a consequente OHC), para esta outra área de formação e atuação, que seria, em tese, a Estomatologia (ou Medicina Oral). Por exemplo, se a primeira, com foco em dentes e tecidos de sustentação, permite que se aceite uma formação médica básica e resumida, a segunda exige uma formação médica nos mesmos padrões oferecidos aos graduandos de Medicina. O mesmo acontece com a pós-graduação, onde as especialidades da Odontologia, em geral, podem ser bem supridas com algo em torno de 600 horas de formação, enquanto a Estomatologia (junto de suas demais subespecialidades) não podem ser apreendidas, no todo, sem que uma residência (com perto de 6.000 horas) seja oferecida, nos moldes das que são ministradas aos médicos. Isto é uma necessidade real e inquestionável, especialmente se for exigida a atuação hospitalar.
O problema em relação a Estomatologia brasileira é que a área não foi abrangente o suficiente para abarcar as demais atuações citadas acima, e o que se viu foi a criação de novas especializações (as subespecialidades) que acabaram por tornar a Estomatologia em uma área focada nas lesões da mucosa oral, e que sofre a natural concorrência da Cirurgia Bucomaxilofacial, das subespecialidades (da Estomatologia) e até de outras profissões, haja vista a criação do conceito de “Dermatologia Oral”, a atuação do otorrinolaringologista e do cirurgião de cabeça e pescoço, que possuem maior facilidade de acesso aos pacientes de planos de saúde privados.
Estomatologia versus Odontologia Hospitalar
Se o termo Estomatologia fosse o escolhido para remeter a atuação hospitalar da Odontologia teríamos também um outro problema. Com a criação das subespecialidades, especialmente a Odontologia para Pacientes Especiais (OPE), poderia haver uma disputa sobre qual denominação, ou formação, seria mais pertinente para a atuação clínica hospitalar.
Eu particularmente penso que se fosse possível o arranjo político entre a Estomatologia e as diversas subespecialidades, este termo, “Estomatologia”, deveria ser o escolhido, mas com a aglutinação, ou fusão, das subespecialidades em torno desta nova marca, que seria apresentada como a formação da Odontologia que seria, de forma plena, a responsável por todo conhecimento médico necessário ao CD para a atuação clínica, hospitalar, domiciliar ou ambulatorial. Este CD, obrigatoriamente, deveria ter uma formação, desde a graduação, que fosse diferenciada, se assemelhando mais ao que, hoje, é oferecido pela Medicina, mas sem perder a forte base odontológica. Este é o modelo vigente, desde a década de 80, nos EUA. A única diferença é que, ao invés do termo “Estomatologia”, é usada a denominação “Medicina Oral”.
Medicina Oral versus Estomatologia
Hoje, no Brasil, a Estomatologia seria apenas uma das áreas da Medicina Oral (MO), pois a primeira abrange somente uma parte do conceito e escopo da MO. A MO é um termo que além da Estomatologia inclui as demais subespecialidades e a própria Odontologia Hospitalar Clínica (OHC).
Se “Medicina Oral” for o termo escolhido para a área, junto ao CFO, não haveria qualquer problema em ser utilizado, já que é universal, e não faz parte de qualquer das especialidades médicas reconhecidas pelo CFM.
Existe ainda a vantagem política de não competir com qualquer das especialidades atualmente praticadas e reconhecidas pelo CFO, sendo um termo “guarda-chuva” que não fere suscetibilidades já construídas pelos praticantes da Estomatologia e suas subespecialidades.
Medicina Oral ou Bucal
O questionamento sobre a inadequação do termo “oral” (do latim oris) é completamente infundado, já que, tanto este quanto “bucal” referem-se à boca em suas raízes etimológicas. Não é a toa que são utilizados indiscriminadamente em nossos termos coloquiais sem que exista qualquer dano à compreensão dos significados, por exemplo: via oral de prescrição, sexo oral, dor orofacial, distúrbios oromotores, oroscopia e cavidade oral. Todos eles referem-se a boca (ou orifício), apesar de oral também poder ser utilizado para se referir a língua falada.
Os críticos do termo oral alegam que este só seria concernente ao que é falado, e não às estruturas físicas bucais (ou orais), mas também vemos que alguns termos que se originam de “boca” (do latim bucca), também remetem a língua falada como os usuais, bate-boca, boca-suja, ficar de boca fechada (ficar quieto), etc..
Assim, ambos os termos são pertinentes, não havendo erro no uso de qualquer um deles, quando se designa a boca e suas estruturas. Entretanto pela maior abrangência mundial do termo Medicina Oral, enxergo que este seria o mais adequado.
A Odontologia Hospitalar
Apesar do uso culturalmente aceito de “Odontologia”, este é um termo equivocado, que possui outras alternativas mais abrangentes quando se pretende enfatizar a atuação dentro de diretrizes médicas, i.e. Medicina Oral e Estomatologia. É desconcertante, por exemplo, que um paciente procure um médico para avaliar uma ulceração em mucosa oral por achar que o Dentista só atue em dentes.
O termo duplo “Odontologia Hospitalar” também confunde quando se sabe que os CDs podem atuar nos hospitais em diversos setores como, serviços de imagem, de anatomopatologia e ligados a área cirúrgica. Assim, o correto seria a denominação de Odontologia Hospitalar Clínica, para que se diferencie das outras, porém, mesmo a CTBMF, também está incorporando o termo OH para suas atribuições hospitalares, o que aumenta ainda mais a confusão.
A comparação e justificação do uso do termo duplo “Odontologia Hospitalar” com outras profissões como a Nutrição, Psicologia, Fonoaudiologia e outras, que também fazem o acréscimo do termo “hospitalar” para diferenciarem suas atuações de outros setores, é, ao meu ver, uma redução desnecessária e prejudicial à classe.
Comparemos com as especialidades médicas por exemplo. Não é nada usual que se utilize o termo duplo para elas, assim não existe a Neurologia Hospitalar, a Cardiologia Hospitalar, a Pneumologia Hospitalar, muito menos a Clínica Médica Hospitalar. Da mesma forma não temos a Enfermagem Hospitalar. A identificação do local de atuação é reducionista e passa a idéia de que existem bases diferentes para a atuação em um ou outro setor, o que não é correto. A fundamentação que o estomatologista tem ao fazer uma biópsia não difere entre o local de obtenção do fragmento, assim como as noções de biossegurança, os dados epidemiológicos de um determinado local muito menos as doenças sistêmicas que podem acometer o paciente, esteja ele em um hospital, no seu domicílio ou no consultório privado.
A utilização do conceito de Odontologia Hospitalar passa a ideia de que os CDs que lá atuam (como nas outras profissões que usam o termo duplo) precisam se ajustar através de uma alcunha que os identifique dos demais profissionais que lá não trabalhem. Sendo esta denominação a escolhida, e sendo uma pós-graduação com este nome efetivada outro problema surgirá pois a atuação com os pacientes especiais e com as lesões e dores bucais, não se restringem ao âmbito hospitalar. Assim, no futuro, um profissional com habilitação (ou mesmo residência) em OHC terá dificuldades em concorrer com outro especialista (em estomatologia ou pacientes especiais, por exemplo) em um concurso que precise de um CD para atuar nestes pacientes, mas fora da alta complexidade, apesar da formação e nível de conhecimentos serem equivalentes.
Finalmente, enxergo uma dificuldade na OHC no que se refere ao marketing da área dentro da própria Odontologia. Existem uma série de profissionais que têm preconceito contra a atuação hospitalar, a despeito de se interessarem pelo atendimento dos pacientes com comprometimento sistêmico, com dores orofaciais, com distúrbios do sono e mesmo com as áreas da estomatologia básica. Muitos destes profissionais deixam de ir a eventos e se abstém de participarem de grupos, ou associações cujo único objetivo seja o atendimento do paciente na alta complexidade. Desta forma a utilização da denominação pode se tornar proselitista e dificultar a adesão de CDs com perfil adequado e propósitos semelhantes aos que pretendem atuar nos hospitais.
Conclusões
Baseado nos argumentos acima sugiro que o termo Medicina Oral seja o designado para esta área de atuação onde os conhecimentos médicos são essenciais para o exercício odontológico, apesar de reconhecer que se houver uma aglutinação política em torno de um conceito ampliado para a Estomatologia - incorporando a estomatologia atual, a dor orofacial, a OPE (crianças, adultos, grávidas, idosos), a odontogeriatria, a periodontia médica e a própria odontologia hospitalar - este seria o termo mais adequado.
Penso ainda que se já há uma cultura forte para o uso do conceito de Odontologia Hospitalar, que este seja agregado aos nomes mais adequados citados no parágrafo acima. Assim temos sugerido o nome das Comissões de Medicina Oral e Odontologia Hospitalar para os Conselhos Regionais de Odontologia que estão se organizando para a discussão do tema.
Independente do que penso convoco a todos interessados que utilizem o campo comentários abaixo para exporem suas opiniões e ajudarem com reflexão, ponderação, lógica e, se possível, com o mínimo de preconceito para a definição do nome que seja o melhor ajustado aos tempos atuais e futuros.

Um comentário:

  1. Cara Colega:

    Ref.: Post "Medicina Oral; Qual o mehlor nome para a área? (http://adrianalibardi.blogspot.com/2011/09/medicina-oral-qual-o-melhor-nome-para.html)

    A confusão da nomenclatura que se faz em nossa profissão é muito complexa. Na realidade, tudo isto deveria ser discutido junto à FDI para que a unificação dos termos fossem mundial. Já citando nossos colegas de outra profissão... "Médico" é "Médico" no mundo todo.
    Já nós... no Brasil somos oficialmente "Cirurgião-Dentista", mas nós mesmos diminuimos nossa condição ao aceitar, e propagar, que somos "Dentista". Em Portugal o profissional relativo é denominado "Médico-Dentista" (sem ser "Médico"), mas em algumas escolas americanas tem-se o DDS (Cirurgião-Dentista), enquanto em outras o diploma denomina DMD (Médico Dentista), e a própria ADA reconhece como sendo os mesmos profissionais.
    Tenho algumas observações ao que foi postado. Existe um erro histórico, que fatalmente há de se corrigir: a Estomatologia é uma especialidade médica sim, desde 1868. Na realidade não importa se há, ou não, esta especialidade atualmente no Brasil (por isto não é reconhecido pelo CFM). De fato, já temos muitos profissionais que são verdadeiros Médicos Estomatologistas e nem se deram conta disto. Explico: o Estomatologista é um Médico que obteve o treinamento e conhecimento em Saúde Bucal, além dos conhecimentos médicos básicos. Na prática já temos um número considerável de colegas Cirurgiões-Dentistas que também são Médicos.
    Em um mundo globalizado, o que se fez quando o CFO reconheceu este nome como o de uma especialidade odontológica, foi criar um caos nos modernos mecanismos de busca da internet. "Estomatologia" nos remete, hoje, tanto a Médicos como a Cirurgiões-Dentistas, dificultando a pesquisa específica, por exemplo, de currículo, número de profissionais, etc.
    Outra confusão que tem-se feito no Brasil é em relação as traduções do inglês para o português. Tem-se realizado traduções literais, esquecendo-se do real significado dos termos, o uso e os costumes da língua erudita. O exemplo mais clássico: Cirurgia Oral e Bucomaxilofacial que deveria ser, Cirurgia Buco-Maxilo-Facial.
    Finalmente: nossa identidade é de "Cirurgião" e não de "Médico" (vê-se que há uma coerência histórica para isto), tanto que o Cirurgião que compilou o conhecimento em Saúde Bucal de sua época, que possibilitou que a Odontologia fosse reconhecida como Ciência, Pierre Fauchard, denominou-se um "Cirurgião-Dentista". Por outro lado, poderá haver problemas legais para outros profissionais não-médicos usar o termo "Médico (alguma coisa)", ou "Medicina (alguma coisa)", pois no Brasil, já que está em fase de tramitação final a "Lei do Ato Médico", que (entendo que) garante tal denominação ("Médico") exclusivamente a estes profissionais.

    Felicidade!

    Paulo V. F. da Silva
    (ver: www.ocirurgiaodentista.blogspot.com)

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